* * *
Sob o sol em meu leito após a água -
Sob o sol e sob o reflexo enorme do sol sobre o mar,
Sob a janela,
Sob os reflexos e os reflexos dos reflexos
Do sol e dos sóis sobre o mar
Nos vidros,
Após o banho, o café, as ideias,
Nu sob o sol em meu leito todo iluminado
Nu - só - louco -
Eu!
(Paul Valéry)
* * *
"Nada é mais estimulante do que o conflito de mentes com interesses similares." (O Fim da Infância: Arthur C. Clarke - p.193 )
A MORTE DA SOGRA DO PEDRO
Uma obra de arte (algo psicodélica...)!
Uma colcha de retalhos exótica! Um conto com variados estilos e meio sem rumo!
Pas répulsif!
Cena 1: Alma #7 (celular) - alma primordial
Vou
contar a história da Marta. Ela tinha combinado com uma amiga que iam
sair para tomar picolé lá na sorveteria Italiana. Esperou, esperou,
esperou, mas a colega não apareceu. (mas não era a Alma #2, não). Ela
ficou muito triste: Disse: "vou fazer alguma coisa". Pegou o celular e
ligou. Quando atenderam, ela disse:"Pedro, a minha amiga não veio para
irmos tomar picolé. Você não pode vir aqui para conversarmos sobre
Literatura?" Ele respondeu: "eu vou agora."
E não foi como vocês verão.
Cena
2: Alma #9 (controle remoto) - genro noveleiro e falso (levar bengala
pra sogra que pegou pneumonia??? deve ser pra bater na cabeça dela e
matar de vez)
Marta,
você pegou as pilhas disso aqui para botar no seu gravador e acabou a
pilha do meu controle remoto. Não posso ver a novela da tarde. E agora,
como vai ser? Vou descer e vou na Miguel de Frias falar com meu amigo.
Tenho que comprar pilha para isso aqui, só que não sei de que
tipo.Depois tenho que ir lá no Hospital São Lucas visitar minha sogra.
Tenho que levar uma bengala para ela, coitada! Deslizou na escada e
fraturou a cabeça do fêmur. Ficou deitada na cama e está lá há uma
semana. Pegou uma pneumonia danada. Está difícil de sair. Estou rezando
para ela sair logo do hospital...
Cena 3: Alma #4 ( livro)
Marta,
se lembra daquele rapaz Alma #9 que pediu uma pilha a você? (Pedro!)
Pois é, Pedro. Ele me telefonou agora dizendo que tem um livro
fantástico, dele. E olha, estou adorando o conto da Eugênia. É
esplendoroso! A parte de sexo, então... Viajando no tapete mágico. Não
tem nada imoral. É um espetáculo! O Pedro, ele é um pouco retraído. Eu
falo com ele e ele não responde.Não telefona para mim e não responde
meus e-mails. Também, com aquela sogra...! Com aquela bengala, eu tenho
medo. E a mulher dele? E se eu a encontro no meio da rua? Ele está
escrevendo um novo livro. Fica até de madrugada escrevendo o livro.
Cena 4: Alma #1 (cordão) - a defunta - devoto que reza 51 orações (uma "boa ideia"?) pra adoentada morrer (e morre!)
[Isso é alguma coisa religiosa? É, na verdade, um cordão, mas na minha ficção é um terço]
Vocês
inventaram falar dessa tal Eugênia. Ainda bem que eu tenho um terço
aqui para rezar. Ouvi falar que vai ter uma discussão sobre esse conto
aí. Já cheguei atrasada para ver se perdia a discussão. Mas essa turma
resolveu me esperar. Não tenho como fugir. Mas antes rezarei 51 orações
para a sogra dele. Faço uma oração para a sogra dele morrer. Já morreu?
Acabou de morrer.
Cena 5: Alma #8 (envelope de açúcar) - se dá ao prazer de comer doces ao saber da morte da velha
Hoje,
ainda bem que trouxe um açucarzinho porque fiquei muito abalada com a
morte da sogra do Pedro. Tive uma queda hipoglicêmica. Como eu gostava
daquela senhora...! [Põe o açúcar na boca]. Já me sinto melhor.Terei
que ir correndo para dar um abraço na mulher do Pedro, porque, enfim, o
Pedro, sei que deve estar muito combalido pois inconscientemente deve
ter desejado essa morte. Vou sair correndo para dar um abraço na mulher
do Pedro. Gostava de ficar mais um bocadinho...
Cena 6:Alma #11 (taça)
Olha,
eu vou para o funeral mas vou levar uma taça para tomar um porre. Vou
tomar um porre, porque a coisa está muito triste. Não vou suportar tanta
coisa (...) Eu me enlutei. Vou levar uma branquinha na bolsa e vou
tomando de gole em gole, porque quero tomar um porre. Eu lamento a morte
da sogra do Pedro que eu também conhecia. É! Quero me embebedar e vou
começar agora mesmo.
Cena
7: Alma #6 (batom) - personagem edificante que achou essa história bem
repugnante....!!! Interessado na falecida. Que pensa em coisas vãs até
mesmo na hora da morte.
Marta,
me empresta... [o batom] porque a gente tem que dar um trato na
defunta, porque ela está horrível. Alguém tem que dar uma maquiada nela.
Já soube da morte dela? A velhinha está muito pálida. Tem que passar um
batonzinho para ela ficar mais apresentável. Não vou fazer nada, não. O
próximo que vier vai resolver esse problema. Engraçado: passei lá e a
vi naquele estado, mas o Pedro não estava lá, não. Eu acho que vi ele
ali na esquina enchendo a cara, não sei se de tristeza ou de felicidade.
Cena 8: Alma #5 (prendedor de cabelo) - perua periguete que vê os velórios como oportunidades de sair do atraso.
Bom,
gente, é o seguinte: eu sou amiga nova do Pedro e vou a esse funeral.
Não conheço a sogra, mas eu quero me arrumar. Esse batom que ele pegou
eu quero. Tenho que me produzir. Me disseram que em enterro se arranja
marido. Vou fazer um penteado. Vou fazer aquela carinha de Maria
Madalena. (...) Não costumo passar bem em enterros... (...) As pessoas
são tão problemáticas! Estou muito sentida, porque a morte é uma coisa
horrível. Snif!
Cena 9: Alma #2 (óculos) - interessada em literatura
Vejo
uma hipoglicêmica, um péssimo genro, os convidados da hipoglicêmina, o
maquiador, a solteirona desesperada, a outra feliz e embriagada e tal.
(...)Vamos todos para a casa da Marta. Eu que tenho aqui os óculos posso
ler o conto do livro do Alma #9 para a gente. [Você vai ler aquele
conto, Matilde?] Se eu enxergar...
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